Embora Sófocles afirme que a maior das dádivas seria não ter nascido, sempre podemos fazer um esforço para dar tonalidade positiva ao balanço anual da vida.
Catacumbas romanas
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Post de Aniversário
Embora Sófocles afirme que a maior das dádivas seria não ter nascido, sempre podemos fazer um esforço para dar tonalidade positiva ao balanço anual da vida.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Eros, philia, ágape, Cáritas.
Quando muito usadas, algumas palavras acabam se desgastando e perdendo sua força. No caso da palavra amor, a vemos empregada para designar realidades muito diversas e até mesmo profundamente contraditórias entre si: amor a Deus, amor à pátria, amor à família, amor a um time, amor a um artista, amor à natureza, ao carro, a um animal de estimação... No fim das contas, essa gama de significados está se referindo a uma mesma realidade do amor ou estamos usando a palavra amor erroneamente?
Aprendemos com a filosofia grega a usar três termos diferentes para definir e falar do amor: Eros, philia e ágape.
Àquela forma de amor natural, que praticamente se impõe ao homem e a mulher, os gregos chamavam amor Eros, que tinha como características a sensualidade, a posse, o romantismo que impele o ser humano a relacionar-se com outra também no aspecto físico, sendo muito ligado a relação sexual.
O amor de amizade,que inclui bem querer, simpatia e fidelidade, chama-se amor philia. Partindo desse termo grego, compreendemos o significado de muitas palavras que entraram em nossa língua: filosofia(amor à sabedoria), filocalia(amor à beleza), filantropia(ao ser humano), entre tantas outras.
Por fim os gregos nos deram a definição do amor ágape: amor-doação, amor entrega, que sai de si em benefício do outro, capaz de doar-se, dar a vida, amor que faz tudo pelo amado. Um amor incondicional que também é perdão. Os primeiros cristãos viram essa definição grega de amor personificada em Jesus de Nazaré, que aceitou uma morte dolorosa na cruz por amor à humanidade inteira. Assim é possível compreender porque a Missa – que celebra justamente esta entrega amorosa de Jesus de Nazaré – foi, no início da Igreja, chamada de ágape.
Vimos que o percurso dessas três palavras gregas parece nos indicar justamente um itinerário de amadurecimento de um único amor. O amor Eros que amadurece até tornar-se ágape, passando pelo amor philia. Separadas cada uma dessas expressões parece incompleta. O Eros sozinho reduz-se à posse egoísta, o philia à superficialidade, o ágape à negação do eu. O cristianismo realizou uma maravilhosa síntese quando chamou ao amor com a palavra latina Cáritas. Não é para fazer confusão com a palavra caridade, bastante desgastada atualmente. Mas ver que todas as formas de amor – Eros, philia, ágape – encontram uma definição excelente na palavra cáritas. Tanto é que a definição de Deus no Novo Testamento seria assim traduzida para o latim: Deus cáritas est – Deus é amor(1 Jo 4, 16). A cáritas é a plenitude de todas as formas de amor.
Para terminar: há alguns dias atrás uma amiga me presenteou com o livro “Uma Arte de Amar para os nossos Tempos - O Cântico dos Cânticos”( Jean-Yves Leloup, Ed. Vozes). Gostei muito da obra, dado o interesse que tenho pelo Cântico dos Cânticos, que mistura elementos de poesia e beleza, resultando num magnífico hino bíblico ao amor. Recomendo a todos essa leitura.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Anatomia de uma dor

Terminei nesta noite a leitura de um pequeno livro – cerca de 50 páginas – de um autor protestante, um dos gigantes intelectuais cristãos do século passado: C.S. Lewis. Fácil de lembrar, pois foi ele quem escreveu o famoso livro que se tornou filme: As Crônicas de Nárnia. Sua obra literária, no entanto, não é só ficção. Ele dedicou-se a interpretar e escrever sobre o mistério humano partindo de si mesmo, de suas desilusões e sofrimentos. O livro a que me refiro tem como título “Anatomia de uma dor – Um luto em observação”. Nele, Lewis descreve o processo de luto que ele mesmo passou quando perdeu sua amada esposa. Ao escrever, ele não tenta de nenhum modo esconder ou mascarar seus sentimentos, pelo contrário, expõe com toda coragem a sua fragilidade, seu medo, sua amargura, sua indignação para com Deus, a solidão e o medo da loucura. São passagens belíssimas e comoventes. Entretanto, o que mais chama a atenção é o grito de sua alma ferida: “Onde está Deus?”
“Nesse meio-tempo, onde está Deus? Esse é um dos sintomas mais inquietantes. Quando você está feliz, muito feliz, não faz nenhuma idéia de vir a necessitar dEle, tão feliz, que se vê tentado a sentir suas reivindicações como uma interrupção; se se lembrar e voltar a Ele com gratidão e louvor, você será — ou assim parece — recebido de braços abertos. Mas, volte-se para Ele, quando estiver em grande necessidade, quando toda outra forma de amparo for inútil, e o que você encontrará? Uma porta fechada na sua cara, ao som do ferrolho sendo passado duas vezes do lado de dentro. Depois disso, silêncio. Bem que você poderia dar as costas e ir embora. Quanto mais espera, mais enfático o silêncio se torna. Não há luzes nas janelas. Talvez seja uma casa vazia. Será que, algum dia, chegou a ser habitada? Assim pareceu, certa vez. E essa semelhança era tão forte quanto agora. O que isso pode significar? Por que em tempos prósperos Ele mais parece um comandante e em tempos conturbados Sua ajuda é tão ausente?(...) Evidentemente, é bem fácil afirmar que Deus parece ausente em nossas maiores necessidades, porque Ele está ausente — não-existente. No entanto por que Ele parece tão presente quando, para dizer com franqueza, não solicitamos sua presença?”
Este lamento é semelhante àquele grito do Senhor na cruz, “Porque me abandonaste?”. Mas em certo modo vai além, na crueldade da filosofia que reveste as palavras de Lewis. São palavras graves para um pensador cristão. Escandalosamente e paradoxalmente graves. Mas revelam o “barro” do qual todos nós somos formados. Talvez este seja justamente o ensinamento que a dor nos oferece, pois ela revela quem nós somos de verdade e nos faz aprender com isso. É um processo lento, do qual saímos feridos, porém transformados. Lewis atravessou o luto e pode constatar essa realidade, e assim nos deixar essas páginas iluminadas. Ele mesmo nos relata seu itinerário de dor, mas ressalta a pedagogia divina:
“Deus certamente não estava fazendo uma experiência com minha fé nem com meu amor para provar sua qualidade. Ele já os conhecia muito bem. Eu é que não. Nesse julgamento, ele nos faz ocupar o banco dos réus, o banco das testemunhas e o assento do juiz de uma só vez. Ele sempre soube que meu templo era um castelo de cartas. A única forma de fazer-me compreender o fato foi colocá-lo abaixo”.
Esta não é uma resenha no sentido técnico do termo. Mas serve como convite e recomendação para que todos possam ler este livro. É tão verdadeiro que chega a doer.
Esperança para o mundo

No último artigo, com o título “Fé e futuro”, eu falava das conseqüências de querer construir um mundo sem Deus, e da necessidade urgente de reconhecer seu lugar na vida da humanidade. Desta vez gostaria de deixar aos leitores uma palavra sobre a esperança, que ao meu ver, é uma das mais belas palavras de nossa língua.
A “Salve Rainha”, uma das orações mais antigas e conhecidas do mundo católico traz em seu conteúdo uma frase contundente que me impressiona desde a infância: “A vós suspiramos, gemendo e chorando, neste vale de lágrimas...”. Sem querer ceder a um pessimismo simplório, hoje constatamos a atualidade desta expressão medieval. De fato, como nunca, somos tentados a ceder ao desespero quando vemos a terra banhada por lágrimas de dor e de sofrimento. Ao assistir os noticiários, ou ler um jornal, somos golpeados pela pergunta: O que podemos ainda esperar? São muitas respostas possíveis a esta pergunta. Mas apresento apenas dois caminhos:
Precisamos saber esperar. As respostas ou soluções para os problemas do mundo, para os nossos, para o desespero não são automáticas ou mágicas. Por isso, com a virtude da esperança, precisamos cultivar a paciência e a perseverança.
Devemos saber em quem estamos colocando nossas esperanças. Freqüentemente depositamos nossa esperança numa pessoa, no dinheiro, no governo, nos bens materiais... Sabemos que no fundo, tudo isto pode nos decepcionar, frustrar a esperança que tínhamos, e assim causar sofrimento e desilusão. São realidades que passam e, por isso, não deveriam ser as depositárias da esperança.
Poderíamos continuar com outras respostas. Mas chega o momento em que a esperança só pode ir em frente se for sustentada por uma outra virtude: a fé. No Novo Testamento, precisamente na Carta aos Hebreus, encontramos uma bela definição da fé: “é permanecer firmes naquilo que se espera, estar convencidos daquilo que não se vê”(Hb, 11,1). Este é um convite a viver com esperança, mesmo que ainda não possamos ver o futuro que nos espera. Mas também é um alerta: aquilo que devemos esperar depende da fé e também do lugar que damos a ela na vida. A fé sempre nos aponta o futuro, nos convida a olhar para o alto. Justamente por isso, penso que a oração que citei acima, traz não somente uma referencia ao “vale de lágrimas”, mas também diz: “Vida, doçura e esperança”. São palavras belas, que trazem consolo e alegria, mesmo que não as encontremos com tanta facilidade no contexto atual. São um convite a viver com esperança.
Fé e Futuro

Freqüentemente a idéia de Deus e de religião, no mundo moderno, é confundida com obscurantismo e ignorância, um empecilho à modernidade, ao avanço da ciência e da técnica e um bloqueio à liberdade do indivíduo. Há sim uma cultura que apregoa que a história vivida sob a égide do cristianismo tenha sido um erro: dizem que é preciso, o quanto antes, reconstruir tudo novamente sem influências cristãs e, mais ainda, sem influências religiosas. Na época atual a humanidade parece querer recriar um mundo onde já não haverá lugar para Deus.
Quando excluímos Deus do horizonte de interesse da humanidade, aparentemente, tudo parece continuar normalmente, como se nada tivesse acontecido. Mas na prática(pois Deus é prático e real!), percebemos o quanto as coisas mudam, e hoje, mais do que nunca, somos todos diretamente atingidos pelas conseqüências de viver como se Deus não existisse. Basta olhar ao redor e constatar que já não se ouve quase nenhum grito de espanto quando o ser humano se torna um objeto: em laboratórios são criados embriões humanos com a finalidade ter a disposição “material de pesquisa”; a prática do aborto, mundialmente e no Brasil, tem produzido números absurdos; o tráfico de drogas que chega em ambientes aparentemente saudáveis fazendo cada vez mais vítimas; o mercado da prostituição e o tráfico de seres humanos para servir aos interesses de organizações comerciais; o apelo sexual e pornográfico de que se revestem muitos setores dos meios de comunicação; o abuso e a exploração sexual de menores...
Não posso e nem quero me estender na descrição deste cenário de horrores, pois estou certo de que todos estão literalmente assistindo pela televisão um retorno alarmante da barbárie.
Isso nos coloca diante de um questionamento fulminante: quando o ser humano torna-se um objeto, o que pode ele pensar de si mesmo? Como compreender e comportar-se, diante do ser humano, quando não se vê nele mais nada de misterioso e divino? No fundo, a resposta para estas questões, está justamente na necessidade de reencontrar o lugar de Deus no mundo e na vida. É uma necessidade vital, especialmente para os jovens, dar espaço para Deus junto às atividades mais cotidianas de nossa existência: Ele não nos tira a liberdade, não nos priva de nada. Ele existe e dá forma à realidade e à vida e, assim garante o futuro do próprio ser humano, impedindo que este se torne objeto e meio para se alcançar um fim qualquer.
A fé carrega em seu conteúdo uma preciosa promessa de futuro para a humanidade. Talvez, justamente por isso, podemos assistir, ao lado de tantos exemplos de desprezo de Deus e de sua aparente ausência do mundo, uma busca sem precedentes de sua presença. Em toda parte, o homem e a mulher, despertam para experiências religiosas, buscando visões e mensagens de outro mundo. Quando se fala em uma aparição divina, milhares se põem a caminho, movidos pela esperança de que, em algum lugar haja uma fresta por onde possamos nos comunicar com o céu e assim receber consolo e força.
Alguém poderá objetar que as multidões e encontros de massa motivados pela religiosidade não dizem coisa alguma e são mais uma forma de alienação. Da minha parte não dou meu apoio incondicional a essa objeção. O futuro da humanidade pode muito bem surgir dessa busca, onde o ser humano está aberto para descobrir que Deus é real e traz em si a garantia do futuro.