
Terminei nesta noite a leitura de um pequeno livro – cerca de 50 páginas – de um autor protestante, um dos gigantes intelectuais cristãos do século passado: C.S. Lewis. Fácil de lembrar, pois foi ele quem escreveu o famoso livro que se tornou filme: As Crônicas de Nárnia. Sua obra literária, no entanto, não é só ficção. Ele dedicou-se a interpretar e escrever sobre o mistério humano partindo de si mesmo, de suas desilusões e sofrimentos. O livro a que me refiro tem como título “Anatomia de uma dor – Um luto em observação”. Nele, Lewis descreve o processo de luto que ele mesmo passou quando perdeu sua amada esposa. Ao escrever, ele não tenta de nenhum modo esconder ou mascarar seus sentimentos, pelo contrário, expõe com toda coragem a sua fragilidade, seu medo, sua amargura, sua indignação para com Deus, a solidão e o medo da loucura. São passagens belíssimas e comoventes. Entretanto, o que mais chama a atenção é o grito de sua alma ferida: “Onde está Deus?”
“Nesse meio-tempo, onde está Deus? Esse é um dos sintomas mais inquietantes. Quando você está feliz, muito feliz, não faz nenhuma idéia de vir a necessitar dEle, tão feliz, que se vê tentado a sentir suas reivindicações como uma interrupção; se se lembrar e voltar a Ele com gratidão e louvor, você será — ou assim parece — recebido de braços abertos. Mas, volte-se para Ele, quando estiver em grande necessidade, quando toda outra forma de amparo for inútil, e o que você encontrará? Uma porta fechada na sua cara, ao som do ferrolho sendo passado duas vezes do lado de dentro. Depois disso, silêncio. Bem que você poderia dar as costas e ir embora. Quanto mais espera, mais enfático o silêncio se torna. Não há luzes nas janelas. Talvez seja uma casa vazia. Será que, algum dia, chegou a ser habitada? Assim pareceu, certa vez. E essa semelhança era tão forte quanto agora. O que isso pode significar? Por que em tempos prósperos Ele mais parece um comandante e em tempos conturbados Sua ajuda é tão ausente?(...) Evidentemente, é bem fácil afirmar que Deus parece ausente em nossas maiores necessidades, porque Ele está ausente — não-existente. No entanto por que Ele parece tão presente quando, para dizer com franqueza, não solicitamos sua presença?”
Este lamento é semelhante àquele grito do Senhor na cruz, “Porque me abandonaste?”. Mas em certo modo vai além, na crueldade da filosofia que reveste as palavras de Lewis. São palavras graves para um pensador cristão. Escandalosamente e paradoxalmente graves. Mas revelam o “barro” do qual todos nós somos formados. Talvez este seja justamente o ensinamento que a dor nos oferece, pois ela revela quem nós somos de verdade e nos faz aprender com isso. É um processo lento, do qual saímos feridos, porém transformados. Lewis atravessou o luto e pode constatar essa realidade, e assim nos deixar essas páginas iluminadas. Ele mesmo nos relata seu itinerário de dor, mas ressalta a pedagogia divina:
“Deus certamente não estava fazendo uma experiência com minha fé nem com meu amor para provar sua qualidade. Ele já os conhecia muito bem. Eu é que não. Nesse julgamento, ele nos faz ocupar o banco dos réus, o banco das testemunhas e o assento do juiz de uma só vez. Ele sempre soube que meu templo era um castelo de cartas. A única forma de fazer-me compreender o fato foi colocá-lo abaixo”.
Esta não é uma resenha no sentido técnico do termo. Mas serve como convite e recomendação para que todos possam ler este livro. É tão verdadeiro que chega a doer.
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